Há uma narrativa amplamente difundida que parte da ideia de que o gasto com pessoal e com a máquina pública é elevado, ineficiente e insustentável para as contas do Estado. No entanto, essa crença simplifica questões complexas e tem sido usada como instrumento ideológico para justificar ataques sistemáticos ao serviço público, frequentemente inseridos em um contexto de sucateamento planejado das estruturas estatais.
Sob esse discurso, a Reforma Administrativa foi apresentada à sociedade como uma medida voltada a aumentar a produtividade do servidor público. Porém, ao analisarmos seu conteúdo, percebemos que não se trata de um simples ajuste administrativo, mas de uma reconfiguração profunda do papel do Estado brasileiro — e, mais do que isso, de uma disputa pelo controle dos direitos, dos dados e das tecnologias que sustentam a cidadania no século XXI.
A proposta de Reforma Administrativa promove um deslocamento silencioso, que transforma o Estado de prestador de serviços públicos em mero gestor de contratos. Essa mudança altera a forma como o Estado se relaciona com o cidadão, substituindo a lógica do direito universal pela lógica do mercado e da competição.
É preciso destacar que essa proposta coloca em risco princípios constitucionais fundamentais, como a universalidade, a continuidade, a impessoalidade e a supremacia do interesse público. Ao mesmo tempo, ela ignora os verdadeiros gargalos da administração pública, como a má gestão de contratos e terceirizações; a captura do orçamento por grupos privilegiados (via isenções fiscais, subsídios concentrados e juros da dívida pública); e a ausência de planejamento e integração digital, que impede o ganho real de eficiência operacional.
Em vez de enfrentar esses desafios estruturais, a Reforma abre espaço para a lógica de mercado, flexibiliza vínculos, facilita demissões e estimula privatizações e contratações precárias — especialmente em setores estratégicos como tecnologia da informação, saúde, educação e seguridade social.
Então, estamos na verdade diante de uma escolha que a sociedade deve fazer sobre que modelo de Estado se deseja: um que garante direitos e soberania, ou um que terceiriza responsabilidades e submete políticas públicas à lógica contratual privada.
Marcia Honda
Secretária de Tecnologia da Fenadados